terça-feira, 9 de março de 2010





“O amor que me têm, disse ela, não tem paixão que consuma; ciúme que desvaire; esquecimento que deslustre. Amar-me é como uma noite de verão, quando os mendigos dormem ao relento, e parecem pedras à beira dos caminhos. Dos meus lábios mudos não vem cantos como os das sereias, nem melodia como o das árvores e das fontes; mas o meu silêncio acolhe como uma música indecisa, o meu sossego afaga como o torpor de uma brisa.

Vem ao meu carinho, que não sofre mudança; ao meu amor, que não tem cessação! Bebe da minha taça, que não se esgota, o néctar supremo que não enjoa nem amarga, que não desgosta nem inebria. (...).

Nos meus braços esqueceras o próprio caminho doloroso que te trouxe a eles. Contra o meu seio não sentirás mais o próprio amor que fez com que o buscasse!"(...).



Fragmentos de um poema do enigmático Fernando Pessoa,em sua obra (Livro do Desassossego). Ora apaixonado entregando-se aos delírios da fantasia amorosa, do sagrado, do imaginário; ora cultivando a solidão, o pessimismo, a razão, Pessoa nos conduz a uma viagem, não ao imaginário comum, mas, ao nosso inconsciente profundo povoado por nossos desejos, nossas buscas, nossas desventuras, nossos enigmas. Poucos conseguem extrair tanto de nós.

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